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quinta-feira, 10 de março de 2011

Boipeba: os luxos e a rusticidade de uma ilha virgem baiana.

REPORTAGEM DE BRUNO AGOSTINI


BOIPEBA - Aeroporto de Salvador, 12h30m de uma terça-feira. Em minutos, vou pegar um voo lotado, o que significa seis passageiros e um tripulante - o piloto, naturalmente. O destino? Morro de São Paulo, com escala em Boipeba, onde ficarei pelos próximos três dias. Quem foi mesmo que disse que é complicado chegar a esta ilha paradisíaca, hein? Saí de casa, no Rio, às 7h30m da manhã e quando o relógio pouco passava das 13h30m já bebia um suco, o saboroso e gelado boas-vindas da Pousada das Mangabeiras, feito com a fruta que lhe dá o nome, porque há dezenas, talvez centenas, de árvores na propriedade. E quem foi mesmo que disse que Boipeba é rústica? Praticamente intocada, sim, uma ilha virgem baiana, mas o lugar já dispõe de boas pousadas e restaurantes. Nada muito sofisticado, porque a simplicidade é um luxo. Andar descalço é um luxo. Comer lagostas até dizer chega é um luxo. Passear de barco no mangue, mergulhar nas piscinas naturais, apreciar uma moqueca de polvo com banana, depois de um pratos de ostras vivas, caminhar por praias desertas, atravessar um rio a pé... Porque Boipeba é assim, um luxo.
Piscina natural, lagosta e caipirinha
Biri-biri e mangaba, frutas que viran caipirinha na coroa de areia/ Foto de Bruno Agostini
Em Boipeba, navegar é preciso mesmo para os que chegam de avião. Porque os passeios de barco são fundamentais para se conhecer a ilha, programas clássicos do local. Tanto que grande parte dos turistas é formada por "estrangeiros": eles saem de Morro de São Paulo, vão até Boipeba e voltam no mesmo dia, geralmente almoçando as lagostas do Guido, o personagem mais famoso da ilha, ou em algum dos bons restaurantes de Moreré.
Para os que estão em Boipeba, há vários tipos de passeio, que podem ser contratados na associação de guias ou nas pousadas: os mais curtos vão só até as piscinas naturais, que ficam bem próximas, e os mais longos demoram o dia inteiro, dando uma volta completa na ilha. Não deixe de fazer. É possível ter um jangadeiro para chamar de seu: alguns barqueiros levam turistas em charmosas canoas a vela. Outra modalidade rústica de passeio é no fim de tarde, com o visitante se embrenhando pelo mangue e assistindo ao pôr do sol dentro das águas do rio.
- O passeio de canoa é lindo, surreal, todos adoram. A gente vai entrando pelo mangue no momento em que o sol está se pondo - conta o guia Marcos Gonçalves, uma figuraça, espécie de líder de sua categoria e profundo conhecer do mar, das trilhas e da fauna e flora de Boipeba (ele garante que foi o responsável por disseminar na ilha a pimenta arriba-saia, que você vai conhecer adiante).
Como em muitos destinos do Nordeste, os programas praianos são regidos pela maré: tanto para apreciar as piscinas naturais, a primeira parada, quanto a coroa de areia, última ancoragem antes do almoço na Cova da Onça, é preciso que o mar esteja baixo. O mesmo vale para fazer as caminhadas para as praias próximas a Velha Boipeba, o que se pode chamar de principal núcleo urbano do pedaço (leia mais na página seguinte).
Ainda bem que você não está em Morro de São Paulo, e pode curtir calmamente Boipeba, que, ao contrário da vizinha mais famosa, conseguiu se manter quase imune às mazelas da superexploração do turismo. O passeio que contorna a ilha, feito em lanchas rápidas, é imperdível. Começa de manhã, em horário variável, que será anunciado na hora de se combinar o programa, de acordo com a tábua de marés.



Pescador de polvo nas piscinas naturais/ Foto de Bruno Agostini
A primeira parada é nas piscinas naturais de Boipeba, com tudo que adoramos: água clara, temperatura agradável, um batalhão de sargentinhos nadando, outros peixes maiores. Não se esqueça de levar máscara e o snorkel, ou alugar o conjunto, a R$ 15. E há requintes raros: a quantidade de barcos é infinitamente inferior ao que estamos acostumados a ver em destinos como Porto de Galinhas, Maragogi e Maracajaú, e é bonito ver o trabalho dos pescadores de polvo e lagosta, que chegam até lá muitas vezes caminhando na maré baixa.
Depois, seguimos para a Ponta dos Castelhanos, uma praia de águas calmas. Quase deserta, digamos, porque uma família monta ali uma barraquinha que vende cerveja, água de coco e caipirinhas, líquidos muito bem-vindos a essa altura. Em seguida, uma esticada até uma coroa, banco de areia que só aparece na maré baixa. Novamente surge um comércio improvável: dois rapazes vendem caipirinhas de frutas típicas da Bahia. Provei e aprovei a de mangaba.
A fome já está batendo. Hora de ir até a Cova da Onça, onde existem quatro restaurantes. Os guias, para manter a política da boa vizinhança, levam os grupos cada dia a um, e eles são quase equivalentes. Mas o que leva o nome da vila serve a melhor comida: o camarão frito aperitivo e a moqueca de lagosta estavam ótimas, e a conta ficou na casa dos R$ 60.
Quem gosta de ostras deve maneirar no almoço. Porque na volta para a vila de Boipeba, quando o barco navega primeiro no Rio dos Patos e depois pelo Rio Grande, passando pelo meio do mangue ao menos uma vez, é feita mais uma parada em uma fazenda de criação de mariscos, onde é possível saborear ostras recém-tiradas da água. É só espremer o limão. O passeio não é novela, mas tem um final feliz.
Uma lagosta especial no fim de uma caminhada à beira mar
As lagostas do Guido preparadas no fogo a lenha/ Foto de Bruno Agostini
"Por você... eu iria a pé do Rio a Salvador", diz a música. Mas nem foi preciso tanto esforço assim. Para saborear as lagostas do Guido, o pescador-cozinheiro mais famoso da ilha, basta uma curta caminhada até a Praia da Cueira, que não leva mais que uma hora a partir da vila de Velha Boipeba, passando por um caminho agradável e fácil de se fazer até com crianças, quase todo feito à beira-mar.
- Ninguém aqui em Boipeba pegou mais lagosta do que eu nessa vida. Também sou bom catador de polvo - gaba-se Guido, que está sempre usando camisas de times de futebol e, além da lagosta grelhada, sugere a versão do crustáceo preparado com abacaxi como uma especialidade da casa.
Hoje Guido tem um restaurante bonito, tocado ao lado da mulher, Eliana, com a ajuda dos filhos e outros familiares. É uma construção toda em madeira, com direito a varanda e faixa com o nome na frente, e muitas mesas espalhadas pela areia. Fica no terreno do italiano que é dono de grande parte da ilha (leia mais na página seguinte). Mas a casa é novidade: até pouco tempo, a estrutura era de uma simplicidade admirável, uma simples barraquinha ao lado de uma bancada que faz as vezes de fogão a lenha, com capacidade para três frigideiras ao mesmo tempo. A barraquinha deu lugar à casa, com varanda e cozinha. Mas o fogo que refoga as lagostas ainda é o mesmo.
Praia da Cueira, em Boipeba/ Foto de Bruno Agostini
Por volta das 11h de todas as manhãs, a lenha começa a queimar. E dá gosto ver a preparação, igualmente simples, ao ar livre, na beira da praia. Primeiro, o crustáceo é cortado ao meio, e depois, rapidamente aferventado na água do mar, que já lhe tempera. Em seguida, uma grande frigideira, parecida com a de paella, ganha um pouco de manteiga e óleo. Uma a uma, as metades de lagosta vão sendo colocadas, frigindo e perfumando a praia. O tempero? Só mais um tiquinho de sal, e algumas rodelinhas de cebola, apenas para dar um gostinho.
Comer um prato desses, com as mãos, tendo o pé afundado na areia, é daquelas coisas que não têm preço. Uma dica: não se contente apenas com a carne do rabo, porque as patinhas e as garras guardam pedaços incríveis, ainda que pequenos. Mas cuidado com os espinhos. Na dúvida sobre como fazer, pergunte a um nativo, que saberá explicar o procedimento de retirada das carnes mais escondidas do bicho.
O acompanhamento é um bom vinagrete e uma farinha daquelas baianas, que dispensam apresentação, além de pedaços de limão e uma pimenta ardida. Deixe os pudores de lado: mergulhe a carne primeiro no vinagrete e em seguida na farinha, finalizando o preparo com limão e pimenta a gosto. Posso garantir que cada bocada é um delírio tremendo. Foi uma das melhores lagostas da minha vida inteira (e uma porção para dois custa uns R$ 50, dá para acreditar?). Pois é, não disse que Boipeba é um luxo?
Muita gente vai lá no Guido, come, e depois volta para Boipeba. Mas vale a pena seguir em frente até chegar à Vila de Moreré, onde vivem cerca de 250 pessoas. Só dá para chegar até lá na maré baixa, com direito a travessia de um rio.
Casquinha de siri no restaurante Paraíso, em Moreré/ Foto de Bruno Agostini
Também é possível passar alguns dias em Moreré, porque ali funcionam alguns campings e pousadas, além de bares e restaurantes. O melhor deles, atualmente, é o Paraíso, uma agradável casinha à beira-mar - para os que apreciam a boa mesa, é necessário provar a deliciosa e levíssima moqueca de polvo com banana (você também pode escolher a de lagosta ou a de aratu, mas a especialidade indicada pelo garçom é essa, e quem sou eu para duvidar?). Mas, antes disso, não deixe de comer uma casquinha de aratu ou siri, sem se esquecer de pedir um potinho de pimenta arriba-saia.
Está cansado? Ou a maré está alta, e assim, não é possível retornar pela praia? Não tem problema algum: você pode voltar de barco ou de trator para Velha Boipeba (em ambos, sai a R$ 10 por pessoa).
Novo shopping deve mudar a paisagem rústica de Velha Boipeba
Boca da Barra, em Velha Boipeba/ Foto de Bruno Agostini
Boipeba é um lugar ainda muito bem preservado, com natureza quase intocada. Mas a sua paisagem pode mudar, e muito. Pertinho do cais da Boca da Barra está sendo construído um shopping, com apartamentos no piso superior. O responsável é o italiano Fabio Perini, dono da Fazenda Pontal, que produz ovos, laticínios e sorvetes, na Ilha de Tinharé (do outro lado do Rio Grande, que deságua na Boca da Barra), e onde está localizada a pista de pouso onde descem os aviões vindos de Salvador. O centro comercial vai contrastar com o casario de Velha Boipeba, uma vila charmosa em sua rusticidade, com construção baixas e casinhas antigas. O empresário também é o dono de uma propriedade na própria ilha de Boipeba, que vai da Boca da Barra até depois da praia da Cueira. Hoje é uma grande plantação de coco, mas a atividade pode mudar nos próximos anos.
- Dizem que ele quer construir um resort lá em Cueira, mas os diretores da empresa, que vieram aqui negociar conosco, garantem que estão planejando um condomínio. Tanto faz. Vai ter até uma estrada, ao que parece - conta o guia Marcos Gonçalves, contrário ao empreendimento, lembrando que foi a união da comunidade que conseguiu expulsar da ilha os tratores que transportavam turistas (hoje restam poucos, apenas para coleta de lixo e para fazer o trajeto entre Moreré e Velha Boipeba).
Queijos e sorvetes são vendidos numa barraquinha perto do cais, em frente ao local em que atracam os barquinhos que trazem os turistas do aeroporto. Preconceito contra o progresso à parte, vale a pena provar os produtos. Mas melhor ainda é saborear os sorvetes de mangaba vendidos na vila. Ou ainda, os pães recheados da Lanchonete do Carlinhos , que fica na ladeira de subida para Velha Boipeba. O destaque vai para a versão do chamado "pãozinho delícia", sucesso nas padarias de Salvador, que ali ganha uma versão caprichada, maior e com muito recheio, além de pizzas de massa leve e fofo com cobertura farta.
Comer bem com simplicidade é uma marca da cozinha tradicional da ilha, praticada em restaurantes como Janaína, Jorge Som e Dona Raimunda, três endereços tocados por nativos de Boipeba.
- A Dona Raimunda prepara uma galinha caipira sensacional. A nossa cozinha não vive só de moqueca - diz o guia Marcos Gonçalves.
Ao mesmo tempo, existem pousadas e restaurantes que diversificam essa oferta de hospitalidade. Para tristeza dos visitantes, fechou as portas o restaurante Chez Iris e Igor, tocado por um casal, ele carioca, ela francesa, que se conheceu na Europa e encontrou em Boipeba o cenário sonhado para abrir um restaurante. Igor voltou para o Rio, mas Iris continua em Boipeba, agora buscando um novo endereço para exercer a sua cozinha delicada, capaz de produzir um flan de berinjela com molho de tomate, ou uma torta de chocolate e caramelo com macadâmia de enternecer.
Restaurante da Pousada Mangabeiras, com cardápio que muda diariamente/ Foto de Bruno Agostini
Estas histórias de gente que largou tudo para realizar o sonho de viver no paraíso é a tônica de muitos dos moradores de Boipeba. Gente como Leandro Caruso, ex-morador de Brasília, que deixou a capital federal para construir a Pousada das Mangabeiras, conforto inimaginável na ilha. Numa ponta da Boca da Barra, a pousada tem todos os seus quartos com varandas voltadas para o mar, com TV de tela plana, internet wi-fi, roupa de cama macia e ar-condicionado silencioso, além de uma piscina que faz a gente se esquecer das praias. O restaurante também foge da linha baiana, apresentando pratos de caráter mais universal, mas sem se deixar de valorizar a matéria-prima local.
- Minha irmã é sócia na pousada. Hoje ela vive em Brasília, mas é quem cuida do cardápio, que muda todos os dias. Se tiver uma lagosta boa, a gente compra. Se tiver um robalo fresquinho, também trazemos. Ela treinou a equipe e criou vários pratos, que vão sendo mudados de acordo com os melhores ingredientes disponíveis - lembra Leandro.
História parecida é a dos donos da Pousada Santa Clara, também na Boca da Barra, mas no pedaço mais urbano da praia. Quem cuida do restaurante são os irmãos americanos Charles, que fica no salão, e Mark, que tinha um restaurante em Nova York e hoje dá expediente na cozinha da pousada, onde também cria menus que mudam a cada dia. O cardápio, no melhor estilo dos bistrôs franceses, também é escrito a giz em um quadro negro, que é levado às mesas quando chegam os clientes. Nele, encontram-se itens como espaguete ao molho de tomate com camarões e sorvetes artesanais.
É esta rusticidade que leva muitos europeus a Boipeba. Há muita gente de São Paulo, e poucos cariocas, ao menos por enquanto. Porque o perfil dos visitantes parece estar mudando.
- Este ano teve uma enchente de argentinos. Mas quem frequenta Boipeba, geralmente, são franceses e alemães - lembra o guia Marcos Gonçalves.
Tavinho, criador do Museu dos Ossos, em Velkha Boipeba/ Foto de Bruno Agostini
Marcos, assim como Dona Raimunda, o Guido das Lagostas, e seu irmão, Tavinho, que criou um curioso "Museu de Ossos" na vila de Velha Boipeba, compõem uma sociedade de cultura riquíssima. Além de linda, Boipeba é uma ilha de pessoas singulares. Elas cuidam do lugar onde vivem, cozinham bem e contam boas histórias.
- Esse capital social que Boipeba tem é fantástico. Os nativos são pessoas incríveis, ótimos contadores de histórias, gente que tem amor à sua terra. Boipeba não é só um cenário bonito, é um lugar de pessoas muito interessantes - diz Leandro.
Bruno Agostini viajou a convite da Pousada das Mangabeiras

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